Você já deve ter lido por aí (e até escrevi algo por aqui) críticas de pessoas mais ligada ao cinema independente sobre a atual safra de filmes de super-heróis, blockbusters e intermináveis franquias que monopolizam a tela.
Até aí dá para entender, afinal esse tipo de discussão sobre “cinema autoral” versus “cinema comercial” vem de longa data. Mas quando esse tipo de crítica pesada que sugere que esses filmes estão nos emburrecendo vem de um cara nascido, batizado e criado na cultura pop/nerd como o ator e escritor Simon Pegg?
Pegg ao lado de Kevin Smith talvez seja um dos caras mais queridos pela nerdaiada por conta de ter sempre demonstrado sua devoção aos quadrinhos, filmes, séries de tv, etc. E além de estar em duas atuais bem-sucedidas grandes franquias (Missão Impossível e Jornada nas Estrelas), ele começou a ganhar notoriedade por “Spaced” série de tv em que escrevia e atuava, série essa que eu ainda não consegui ver, mas já li em mais de um lugar que as profundas referências a cultura nerd fazem ‘The Big Bang Theory” parecer uma novela do Manoel Carlos.
Por isso quando o io9 publicou esse trecho de uma entrevista dada pelo ator à revista Radio Times ficou a dúvida se ele estava falando sério ou apenas bancando o fanfarrão:
Antes de Star Wars, os filmes que foram sucessos de bilheteria foram O Poderoso Chefão, Taxi Driver, Bonnie e Clyde e Conexão França, filmes corajosos e amorais. Então, de repente a obrigação de um filme passou a ser o espetáculo e tudo mudou e eu não sei se isso é uma coisa boa…
… Obviamente, sou um grande fã confesso de ficção científica e cinema de gênero, mas parte de mim olha para a sociedade como ela está agora e acha estamos sendo infantilizados por nosso próprio gosto. Estamos essencialmente consumindo coisas infantis, histórias em quadrinhos, super-heróis, etc. Adultos estão assistindo a este material, e levando a sério.
É uma espécie de emburrecimento, de certa forma, porque ele está tomando o nosso foco e deixando longe os problemas do mundo real. Filmes costumavam ser sobre viagens, emocionais desafiadoras ou questões morais que podem fazer você ir embora e reavaliar como você se sentiu sobre … alguma coisa.
Só que agora saímos do cinema sem pensar em nada além de que o Hulk teve uma baita briga com um robô.
WOW!
Nem precisa dizer que fãs e imprensa especializada caíram de pau nele, afinal o ator parecia estar cuspindo no prato em que comeu.O próprio io9 descascou o cara em seu artigo.
Dada a recepção negativa, Pegg fez um longo e cáustico post em seu blog. Selecionei as partes em que ele responde mais diretamente à toda controvérsia:
Bem, talvez eu estivesse sendo um pouco troll, as vezes eu posso ser um pouco “do contra” em entrevistas. Quando você faz muitas delas, você acaba ficando enjoado de suas próprias opiniões e começa a adotar a opinião de outras pessoas. Dito isto, a idéia dessa nossa juventude prolongada é algo que eu me interesso há muito tempo.Era essencialmente sobre o que tratávamos em Spaced, pelo menos em parte.
Nos 18 anos desde que nós escrevemos Spaced, esta adolescência prolongada foi cuidadosamente cooptados pelas forças do mercado, que identificaram este relativamente novo público-alvo como uma fonte extremamente lucrativa de potenciais consumidores. De repente, ali estava uma geração inteira chorando por uma versão evoluída das coisas que eles estavam consumindo quando eram crianças. Este público agora é verdadeiramente bem servidos em todas as facetas do entretenimento onde a primeira e segunda infâncias acabaram fundidos em um fenômeno mainstream
O comentário sobre ‘emburrecimento’ veio como uma enorme generalização por um tremendo babaca nota 10(Eu!). Na verdade eu não quis dizer que a ficção científica ou fantasia são emburrecedoras, longe disso. Como eu poderia dizer isso? Nas palavras de Han Solo, “Ei, sou eu!” Nas últimas duas semanas, eu vi dois expoentes brilhantes do gênero. Ex Machina e Mad Max: Estrada da Fúria, ambos filmes os quais tive a minha cabeça girando de maneiras diferente e maravilhosa além de são ambos seres filmes maduros. (…) Eu acho que o que eu quis dizer foi que quanto mais o espetáculo passa ser a prioridade, menos o filme tem chance de causar alguma reflexão ou ser mais desafidor.
()… o ponto de tudo isso, apenas para deixar minha posição clara é: eu não estou fora do rebanho, minhas paixões e preocupações permanecem. Mas vezes é bom olhar para o estado das coisas e se certificar de que estamos recebendo o melhor que podemos obter. Se por um lado é incrível ver um material que era menosprezado e considerado marginal de repente dominar o mainstream, por outro lado temos que levar em consideração que esse material agora é muito comercial e valorizado e o que o fez ele ser tão precioso para nós nem sempre será levado em conta (Não é fãs de Jornada nas Estrelas- A Série Original?).
(Se você chegou até aqui parabéns, pois esse provavelmente é o texto mais longo da história desse blog. Mas espera que não acabou ainda):
Vai parecer contraditório (afinal eu sou um cara que consome quadrinhos há 25 anos pelo menos, que acompanha a maioria das séries e filmes baseados neles e que ainda por cima ainda tenta escrever sobre todas essas coisas em um blog xexelento), mas sou obrigado a concordar com muito do que Pegg disse. Claro que não endosso o lance do emburrecimento e a generalizaçãode sua primeira entrevista, mas fato é que grandes estúdios estão investindo em filmes baseados em quadrinhos, remakes de séries clássicas e em franquias-blockbuster já consagradas não porque eles façam parte do tal rebanho citado pelo ator, mas sim porque conseguem ter um retorno mais garantido de seus investimentos, principalmente em uma época em que as bilheterias sofrem com a competição com outra mídias.
Com isso investem cada vez menos em filmes mais densos, ou quando investem estes saem pelas portas dos fundos, sem campanha de marketing sem que ele seja distribuído em várias salas.
Tudo bem que é aqui no Brasil onde há muito menos salas de cinema, mas tente ir assistir a um filme mais distante dos holofotes em um fim de semana que estréia um “Velozes e Furiosos” por exemplo. Se achar sessão em algum lugar provavelmente os horários serão os piores.
Me preocupa essa cada vez maior falta de opção. Também me incomoda quando coisas caras a mim são adaptadas ao cinema sem nenhum cuidado ou consideração com o material original e ao conteúdo apenas para aproveitar a onda de popularidade e fazer dinheiro.
E nada contra em sair de uma sala de cinema pensando só na briga do Hulk com um robô, ainda que eu ache que Vingadores 2 assim como os outros filmes da Marvel vão muito além da pura e simples pirotecnia.Duro é não poder voltar no outro fim de semana ao cinema e encontrar alguma opção que vá além disso.
Via CBN